O autoconhecimento no tratamento da obesidade

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O tratamento da obesidade é um tema importante de saúde pública mundial e envolve várias frentes – entre elas, o autoconhecimento. No entanto, a obesidade é tratada pela OMS como uma doença para a qual não existiria solução definitiva.

A obesidade é tratada de forma errada: de fórmulas mágicas ao uso indiscriminado de remédios e realização de cirurgias bariátricas, foca-se excessivamente nas consequências e pouco nas causas, podendo levar a resultados insuficientes.

Essa é a opinião de Fábio Souza, professor de Yoga e meditação no Hospital da Obesidade, também terapeuta transpessoal, logoterapeuta, nosso entrevistado de hoje, cujo trabalho é “lembrar que todo processo de cura do ser humano é feito dentro dele”.

Para Fábio, “não é a obesidade que precisa ser percebida, é o obeso”. Fixar o foco na doença e não no doente é um erro comum, e a verdadeira solução passa por uma abordagem adequada por parte de quem acompanha o paciente e pelo entendimento das causas do problema.

Esse entendimento, por sua vez, depende do autoconhecimento, que, para Fábio, é vital para que o obeso consiga se curar. Na entrevista de hoje, abordamos a necessidade de conhecer a si mesmo e temas associados a essa ótica sobre o tratamento da obesidade. Vamos lá!

Sabemos que a obesidade envolve questões emocionais. O entendimento dessas questões passa pelo autoconhecimento?

Podemos falar em tratamento da obesidade, mas, se estamos falando de processos emocionais, como é que a pessoa colocará isso em prática? Ela pode analisar isso a partir da mente concreta dela, mas vai entrar em contradição com o seu próprio sistema emocional.

Se ela não entender o que acontece, e entender que existe um sentido para a vida dela, ela pode até conseguir perder peso, porém é um número pequeno de pessoas que conseguem mantê-lo.

Além disso, a pessoa que não entende a si mesma e não compreende as reais causas do problema pode até migrar de compulsão, ou de vício. É justamente o que acontece com muitas pessoas que fazem bariátrica sem tratar as causas do problema: engordam novamente ou substituem um vício por outro.

Eu digo sempre: o que seria o sucesso da bariátrica? Emagrecer e continuar magro? Dizem que sim. Mas aí a pessoa passa a migrar para outros vícios, outras compulsões. Álcool, jogo, compra compulsiva… por quê? Porque o problema não é a comida. Assim como o problema de outros vícios não é a droga ou o álcool.

Justamente a forma que a gente ataca o problema é que é errada. Como eu posso delegar a outra pessoa, objeto, substância, comida, a minha felicidade? Será que eu não sou importante? Será que não tenho força? É aí que entra o autoconhecimento no tratamento da obesidade.

Você comparou a obesidade com a adicção (vício) em drogas ou álcool. A obesidade é resultado de uma adicção?

Eu acredito que pode ser, sim. Falando em dependência química… tudo é químico. Um relacionamento, construtivo ou destrutivo, é químico. A dependência de um entorpecente lícito ou ilícito também é química.

O alimento é a mesma coisa. A relação com o alimento é muito importante, e cada alimento tem o seu temperamento. Eu entendo, sim, a obesidade como adicção, em muitos casos, e outra coisa: talvez seja até mais difícil de lidar. Pois existe uma aceitação social maior, e a comida, ao longo dos milênios, aproxima as pessoas.

Além disso, a comida é necessária à vida. Comemos pelas nossas necessidades orgânicas, e comer é prazeroso justamente porque é instintivo, mas também comemos por conta das nossas necessidades emocionais, por conta do sistema límbico [região do cérebro responsável pela resposta emocional].

Entendemos que o lado emocional e o autoconhecimento são fundamentais no combate à obesidade. Qual o papel do Yoga nesse contexto?

Yoga existe há mais de doze mil anos e vem sendo analisado e pesquisado porque ajuda em tudo, principalmente no autoconhecimento.

O que ocorre é que toda busca do prazer existe porque nós queremos ser felizes e associamos as sensações prazerosas à felicidade. No entanto, temos um vazio existencial, e buscamos preenchê-lo. Não é simplesmente se tornar dependente ou viciado em algo que vai resolver o problema; o que realmente precisamos é compreender esse vazio existencial.

Felicidade é um estado de consciência. É interna. E aí que entra o Yoga, pois trabalha a integração do ser, o entendimento do corpo físico, vital, emocional, mental, social, espiritual, planetário, e trabalha o autoconhecimento. Por isso é tão importante.

Como fazer essas reflexões sobre si mesmo?

A reprogramação mental é muito importante. Porém entendo que a pessoa precisa querer primeiro. Desafio sempre os pacientes a refletirem: vocês querem mesmo? Porque querer se livrar de um sofrimento é natural, mas as pessoas terão que abandonar hábitos, e abandonar hábitos dói para todos nós.

É necessário refazer, ressignificar a vida como um todo. Mudar hábitos, pensamentos, sentimentos, atitudes, objetivos e os próprios modos de vida. Isso tudo é essencial para o sucesso do tratamento.

Essa mudança é posta à prova quando o paciente sai do hospital e volta ao ambiente em que ele adoeceu?

Sim. Temos uma necessidade muito grande de pertencer a grupos, que é algo pré-histórico e já está na nossa “programação”. A pessoa sai do grupo em que estava, vai se tratar, ganha conhecimento e volta para o grupo.

Ela será uma pessoa estranha ao grupo, com uma proposta nova. Alguém rejeitar uma comida feita por uma tia, que oferece a mesma coisa àquele sobrinho desde a infância, não pega bem, não é legal, socialmente falando. Isso pode desencadear rejeições, e somos seres que não sabemos lidar com rejeições.

O que é pior: quando a família incentiva o paciente a quebrar os novos hábitos ou quando o rejeita?

Todo extremo é prejudicial. Não é interessante tratarmos pessoas adultas, apesar de características infantis muito presentes, como crianças, com essa questão de “pode” e “não pode”, certo e errado. Precisamos nos distanciar do problema, responsabilizando-nos pelos nossos próprios atos.

Conheço muito bem esses dois extremos. É muito difícil a pessoa ser assediada por uma tia, uma avó, dizendo que “você está magrinho” e oferecendo comida, mas tem o outro lado, da família que rejeita. Conheço um caso de alguém cuja irmã, numa festa, disse a ele que não ia nem passar perto por estar levando uma bandeja de comida. Isso acaba agredindo essa criança interior que já está na birra, chateada por estar se abstendo, censurada. Então eu acho que, antes da abstinência, deve vir a compreensão.

Que mensagem final você deixaria ao leitor que busca tratar a obesidade?

Invista em você mesmo. Saiba que o que você precisa está dentro de você. Esse autoconhecimento, no tratamento da obesidade, é fundamental. Sócrates dizia: “conheça a sua ignorância e serás um sábio”. É um processo de vida, evoluir. Evoluir não é uma coisa chique, é um trabalho de vida, e a vida tem um sentido.

Se você quer compreender o que está acontecendo, precisa se dar conta de que existe um processo em cadeia que precisa ser visto na base, lá na causa. Por que eu não posso entender onde eu estou? Afinal, onde está o meu problema? Há quem responda de imediato. “Ah, mas eu sou compulsivo”, por exemplo. Talvez, mas sabe quem você é? Eu dou parabéns a quem disser que sim.

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